domingo, 28 de junho de 2009

telescópio

Os dias acabam e começam, começam e acabam, sem que ninguém nos pergunte se queremos que isto suceda.



O embrulho era perfeito. Tinha as medidas exactas. A forma e peso que imaginara para o novo carro xpto que todos os colegas iriam ter. Também teria! E excitação não cabia no se pequeno corpo. Não podia esconder mais a felicidade que sentia por saber que lhe ofereceriam o presente certo. Seria a cereja no topo de um bolo seco, sem recheio. Ao menos teria a cereja. Ao menos não se esqueceram do meu pedido.

Descalço – como na canção de natal – desce as escadas a uma velocidade supersónica, uma aterragem no limiar da segurança impede que ele caia, mande com a cabeça na esquina da porta e não só não veja o presente, como também não veria muito mais coisas o resto da vida. É o destino do miúdo ser desiludido mais uma vez. Abre o papel do embrulho, melhor, rasga, com toda a ferocidade que lhe é permitida em tão tenra idade. Um telescópio. Quer dizer, ele não sabia o que aquilo era. Mais tarde aprendeu a dar-lhe o nome, hoje era apenas a personificação de mais uma seta cravada no seu pequeno coração.

O calmo e perseverante pai não desistiu, não cedeu face à birra. Não gosto mais de ti. Deixa-me. Não falo mais para ti. Levou-o, arrastado (também é leve) ao à varanda do quarto do pequenote. Montou o telescópio. Disse-lhe para espreitar pelo sítio devido. Pediu ajuda para as últimas afinações do tripé. O garoto nunca fora tão feliz. O pai a pedir a sua ajuda. Importante. Teimoso e intimidado por tamanho aparato, espreita a medo. Não vê nada. Um pai também não sabe tudo, faltava tirar o plástico que protege a parte da frente da lente. Agora sim. Via as estrelas com que adormecia todos os dias muito maiores. E ele a pensar que elas eram do tamanho dos cereais. Afinal são muito maiores. Queria ver mais, aumentou a gradação – por instrução do pai – mas deixou de ver.

“Nunca te aproximes demasiado” - advertiu o pai.

sábado, 27 de junho de 2009

gargalhadas

Quem sou eu senão o que pensam de mim? Quem sou eu senão a memoria que sobrevive à minha morte? Podemos pensar ser ricos, bonitos, mas se outros não concordarem não é isso que somos. Somos a imagem que vêem de nós, e não o que pensamos que vêem.

O cheiro da música, é como o sabor das palavras, não se sente. Sentimos dor, ouvimos barulho e vemos o mundo. Por isso um surdo não ouve Beethoven, apesar de Beethoven ter sido surdo. O mesmo acontece a que não sabe, não percebe, não vê. Se nascemos todos com as mesmas capacidades não sei, sei que fazemos uso e fruto de maneiras muito diferentes daquilo que nos foi dado viver.


Joaquim é mestre-de-obras. Tem 39 anos. É casado, divorciado, e agora junto. Junto com mulher, a importância da necessidade deste esclarecimento está na visão que dá de uma sociedade virada do avesso, como pensa o Joaquim. Ele tem filhos, entregues a segurança social, por não ter rendimentos suficientes. Anda de scooter, não faz a barba, e tem a pele queimada do ofício. É feliz. Não se importa com o que s outros pensam, é simplesmente feliz.


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O Rogério é médico. Tem 39 anos. Andou na turma do Joaquim. O Joaquim tinha mais sucesso com as raparigas. O Rogério tinha óculos e aparelho. Ganha para si e para duas famílias. Não que as tenha. Não tem ninguém, é sozinho. Às vezes sente falta de ter com quem desabafar as angústias rotineiras da sua profissão. Fala para um boneco de peluche, oferecido pela única namorada. Investe na bolsa, é bem sucedido. Dorme pouco. Não passa sem um whisky, viciado? Não, isso é para pobres, ele é necessitado. É um miserável, invejado por todos os que com ele trabalham. Cobiçado por todas as enfermeiras, e alguns enfermeiros. É feliz? Não.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Sondagem

Qualquer sugestão de resposta mais interessante, bem como desabafos que contribuam para que outras pessoas se sintam menos mal podem ser postadas em comentário a esta mensagem.
Obrigado, contribuam!


p.s. peço desculpa pelos erros ortográficos, é para verem o que me espera do exame de português!

luar de lua nova

Look out the stars, look how they shine for you

Como era belo o luar em noites de nevoeiro. Se o víssemos acharíamos que sim. Como não o vemos, pode ele saltar, pular, correr, rir-se de nós que nada disso será notado. Coração que não vê, olhos que não sentem.

Pode até ser verdade, mas naquele instante, sentiram olhos e coração, ficaram cegos olhos e coração. Oh, o coração já não aguentava de tanto ver, e os olhos ardiam de tanto sofrer. Acalmam-se os órgãos por via da falta de respiração dela. Ela, a causa do seu tormento, encontrava a paz que por certo não desejava. Mas o filho sem o pai não existe, e o que os une é o espírito santo. E sangue nela não existira sem o suor e a carne, não seria agora. Porque ele não queria viva, calada e sossegada já era um caso a considerar.

Primeira vez. Quantas não há numa vida. Quantas não haverá a tirar uma vida. Já que se estria, que a estreia não esteja sozinha em momento tão glorioso, junte-se mais umas poucas à caldeirada.

Os passos são calmos e lentos. O sangue perpetua-se na sede. O luar esconde-se por detrás do telhado da sua casa. Sua e dos seus filhos. Crianças inocentes e tentadoras. Oh quando se esvai a ténue linha que nos separa do lado de lá da neblina!

domingo, 14 de junho de 2009

Abraçados

2 anos passaram, e parece que foi ontem, abraçado a ti estava eu, sem saber bem porque, mas estava, estava a gostar. Num dia aberto, numa sala de moral, num dia de sol, num campo de jogos, estávamos os dois abraçados, e 2 anos passaram e ainda estamos abraçados, e abraçamo-nos com cada vez mais força, hum mm muito abraçados! É tão bom estar abraçado a ti. 2 anos que passaram, que ficarão para sempre na história, uma história só nossa, que mais ninguém tem de saber, porque abraçados, mais ninguém nos importa, porque dos dois que éramos formámos um nós muito forte capaz de passar por cima de muito. Sem estar abraçado a ti, provavelmente, não era o mesmo que sou hoje, talvez tivesse dado a mão a muita gente, mas não era como um abraço, um abraço está no topo dos afectos, só abaixo de um beijo quente e molhado, mas como era impossivel viver sem respirar, abraçamo-nos, e assim continuaremos…

Diagonal

Apesar de estar ausente deste blog praticamente desde sempre, lembrei-me agora, de entre o estudo de Português e Economia similaridades entre Pessoa na mensagem e os conceitos económicos. Não é concerteza um texto do Master Farmer, mas é do gajo que anda com um ansinho na mão..
Já dizia na sua altura, lá para 1900’s e tal, o sor pessoa, numa inquietação pela inovação, dizia o moço que seria vital para a nação a criação do chamado Quinto Império, império esse regido pela cultural, fazer com que os portugueses libertem de si os exploradores que outrora fomos, a curiosidade que nos levou a vasculhar o oceano, a ousadia e coragem necessária ao empreendedorismo que necessitamos hoje.
Não!! recusamos ouvi-lo, recusamos ouvi-lo e queixamo-nos, queixamo-nos da crise, dos patrões que são maus patrões, não que não o sejam, mas recusamos ouvir Pessoa, ou se ouvimos, passou por entre as noticias de uma contratação milionária de um qualquer jogador de futebol.
Recusamo-nos a ir buscar o D. Sebastião, que por terras de África ficou e se recusa a voltar para um país onde reina a letargia. Essa que nos prende a um trabalho que não é destinado aos sucessores do grande D.Sebastião que se estivesse no activo seria provavelmente o fundador de uma multinacional e não teria de ir combater os mouros.
Temos de fundar o Quinto Império, um Império intelectual, não pelas novas oportunidades, mas pela criatividade dos portugueses, não podemos ficar sentados e deixar que nos transformem numa linha de produção dos grandes países. Um Império Cultural não pode ser derrubado, pois este tem a força de se reerguer dos destroços mais forte. Era o sonho de Pessoa, era o sonho de D.Sebastião. Devia ser realizado por todos nós, ele contam connosco.

sábado, 13 de junho de 2009

romantismos

Meu Deus, livrai-me do mal que em mim se acomoda. Livrai-me da tentação experimentada que me pisca o olho cheio de pintura e purpurina. Oh meu Deus, como posso pedir com tanta devoção que e tire algo que eu desejo tanto? Como posso eu querer algo que acho errado, achasse eu errado e não quereria.

Em divagações vagueava ela pela praça repleta de pombos famintos de comida e cheios de fome, morreu a senhora dos pombos. Nem me lembro bem quem era, mas os pombos não me incomodavam enquanto era viva. Nem a mim nem a ela. Como andava ela feliz, como ele sabia faze-la feliz. Os olhares que ela sabia que ele sorrateiramente lhe lançava. A forma como ele a negava mostrando a sua parte mais viril e aumentando-lhe a líbio até níveis inexperimentados. A questão fundamental, esse bicho, mantinha-se. Por falar em bicho lá se vai a lenha toda. Já durava uns tempos. Quase tanto quanto se espera para engolir a primeira bafada de ar.

Ele, pessoa de bem, homem com família. Filhos. Pensariam pedofilia, mas não, tem filhos, gosta de crianças como um pai gosta dos seus filhos. Falara com polícia, guarda nacional republicana, chegara a organizar uma petição ao governador civil. Nada. É que é sempre a mesma coisa. Não podem fazer nada. Pois se não podem, farei eu. Eu não, ele. Numa coisa tenho de lhe dar razão páh, ela até que é jeitosa, mas há feitios e feitios, e aquele não se pode.

Ai que pedaço de pecado.

Juro que um dia serás meu, sussurra ela, gritando, batendo, da parte de fora do carro dele. Só momentos românticos.

sábado, 6 de junho de 2009

a utopia do amor

Ai tão bonito!

Ela ficou encantada da primeira vez que com seus olhos viu a face dele. O corpo dele, as expressões dele. Tão simpático, tão amoroso. Gosta tanto das crianças. Mal ela sabe como ele gosta das crianças.

Ela nunca tinha gostado de nenhum indivíduo. Comungava por comungar. Suor, carne, sangue. Não houve vez sem a trindade. Nunca tal foi ponderado. Tal achego à sua mente faria, por certo, esquecer o que ela jurou não esquecer. O baixar das calças. A imobilização dos músculos pelo medo e surpresa, quiçá uma qualquer droga. O toque frio da fivela do sinto do primeiro no seu ventre. O toque frio da bancada da cozinha nos glúteos. Por fim, o toque frio, mas reconfortante, da faca que a mãe usava, naquela banca, para cortar a carne que iria alimentar este sujeito. Mas neste momento a fonte era a mesma, a carne e a fome diferentes.

O resto não vale a pena confessar. Já o foi a quem de direito e não nos cabe a nós julgar as circunstâncias ou vontades que movem as pessoas. Na maior parte são-nos inacessíveis e vagas, falsas. Porém, cabe-nos julgar os actos. Termos todos a noção que quem nos avalia não tem como factor preponderante os antecedentes que propiciaram a actividade avaliada?

Oh! Mas ela está disposta a mudar. Que bonito é quando o amor é unilateral, unido e embelezando a vida de uma pessoa e infernizando a vida de outra.

Pois a bicha tem companhia agora, que será delas quando a lenha acabar? Há mais lá fora!

quarta-feira, 3 de junho de 2009

coisas destas

As chamas laranjas faziam estalar a lenha que ardia. A negra fogueira fornecia o calor necessário para uma coexistência agradável. Se bem que a coexistência seria agradável sem a fogueira. Como poderiam, eles, reparar, naquela fogueira. Quando tinham de olhar um para o outro. Com olhares diferentes no olhar, mas olhavam-se nos olhos.

Comungaram a carne e na vez do vinho o suor um do outro. Mas ela comungou também o sangue e ele o metal da faca que estava escondida no meio da lenha que já não irá arder. Na verdade, irá apodrecer antes que alguém se lembre de voltar a acender a fogueira.

O céu ergueu-se duas vezes antes que se soubesse, ou que interessasse para a história narrada, da personagem que abraçou a carne o suor e o sangue. Fosse a primeira vez que está trindade se juntava à comunhão da rapariga e o interesse seria o mesmo que a corrida de caracóis. Mas, ao contrário do que se poderia pensar de uma mulher tão bem perfilhada, esta deu tão para o torto, entortou tantas vezes, que construiria um polígono, ou sólido geométrico, de fazer ver a Aristóteles. Que motivos a fazem entortar? Ainda não sabemos. Aquilo que apenas nos diz respeito, por enquanto, é que o reinado desta vingadora de não se sabe bem o quê está prestes a acabar. Nascera, há uns largos anos, a personagem que para a história nasce agora, e para a torta rapariga nasceu quando saía de casa, embarcava no seu automóvel e passa um carro a correr contra o vento, fazendo-o ficar para as pessoas que atrás ficam. Ela não o viu. Ele também não. Nenhum dos dois sabe o que os espera. Sabemos, nós, uma parte. Saberá, alguém, o resto?

Pode parecer estranho. Contudo, porventura, todavia, algum de nós reparou em alguém, ou soube que já tinha visto alguém, antes de saber que este iria interferir na sua vida? Oh quão egoístas somos!

A lareira está, de momento, apagada. Uma bicha-cadela começa a apoderar-se da lenha acumulada em recipiente próprio.