sábado, 23 de maio de 2009

anti-rugas

E mais uma vez a cara dele rastejou o chão. Mais uma vez chorou lama. Mais uma vez.

Quantas vezes não tinha já ele tentado, desistido, resignado. Mas voltava para tentar. Porque tentar é tudo quanto se pode fazer. Tudo o que se pode esperar dos outros é que tentem. Lutem até perderem as forças. Lutem até que a causa seja perdida. E mesmo depois de uma causa perdida, é a causa que está perdida, não nós, e por isso voltamos a tentar. Voltamos e lutamos por aquilo que queremos. Mesmo que seja mau. Mesmo que não seja o que precisamos para a nossa agradável existência. Muitas ocasiões não queremos, nós, o que melhor nos faria.

Ainda que nos sentemos a ver a nossa doce televisão, ainda que leiamos o condescendente jornal, ainda que deixemos a nossa vida para trás em nome da comodidade, ela chamar-nos-á sempre. Em cada esquina, em cada encontro furtivo.

E o dia em que nos encontramos com a vida acaba por chegar. A razão da esperança perdida esfuma-se, e aquilo por que esperamos espera-nos. E a lama que tão bem faz à pele – tanta chique pessoa que a põe sem ter ponta do nosso usual desgosto – transforma-se num sorriso resplendoroso que fortalece e tonifica os músculos da cara sem a sujar. E ficamos todos tão bonitos a sorrir. E ficas tu, tão bonita a sorrir. 

terça-feira, 19 de maio de 2009

guarda-chuvas

  E era uma da tarde. Chovia. A pedido de todas as pessoas presentes naquele local, o sol escondera-se. Bondoso, o sol. As nuvens choravam, tristes, solidárias, infectadas pela mesma tristeza que consumia aquele amontoado de guarda-chuvas.

  As nuvens, como portadoras de vida – a água é vida, como dizem –, entristecem-se com a morte. Por isso, principalmente no Inverno, fazem por dar um sinal de esperança às pessoas, dar motivos a poetas para metáforas e aumentar o uso de guarda-chuvas. Isto porque já ninguém anda a pé. Todos temos carros. Desta forma, enquanto uns oram para que quem foi chegue ao melhor destino, em casa, sem comer, quem ficou, ora para que as nuvens lhe tragam umas gotas assustadoras para molhar o produto que vendem.

  Estes servem, ainda, para mais coisas. Une as pessoas, mostra compaixão. Nem todos temos guarda-chuva. Nem todos nos lembramos dele, porque nem todos precisamos. Mas, nem que possamos ir à chuva, se a companhia for boa debaixo de tecto, porque não?

  Era bom que chovesse mais. Certo é que o sol nos despe. Despidos é meio caminho andado. Mas a chuva entristece, força uniões improváveis. Cria laços sentimentais, espirituais. Talvez, por estas razões, se faça a distinção entre o amor de Verão e os outros.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

grupo B (hipotese 2 e 3)

O mito estruturador do poema “A Mensagem” é o sebastianismo. Um sebastianismo reformulado.
O sebastianismo dos tempos primórdios a Pessoa era o sinal maior da impotência social perante uma perpétua crise. Um sinal de pessimismo e comodismo. Uma espera vã, vazia.
Pessoa, na única obra que viu publicada em vida, refaz um mito vago em algo concreto, positivo. Dá sinal ao povo que acorde da sua letargia:”É a Hora!”.
Em suma, Fernando Pessoa, numa tentativa de relembrar aos portugueses o passado e, com ele, aprender, refaz um mito distante no tempo e transforma-o no maior dos gritos contra a inércia.

terça-feira, 12 de maio de 2009

caprichos

A disfarçada experiência, apresentada pelas rugas de alguém que não as devia ter. As amarguras fluem pelos seus vales, segregando todas as terríveis experiencias que já viveu.
Tudo isto ele viu. Tudo isto ele sentiu, saboreou e concluiu. Aquela criança, a olhar para quem passava peneirando as suas roupas e ignorância. Tinha os olhos dos anjos, o aspecto dos demónios. Caprichos de uma afortunada vida. A personagem sentada num inexistente balde do passeio olhou-o nos olhos.
Apeteceu-lhe agarrar-lhe as mãos, puxá-la para si. Protege-la, ama-la. Dizer-lhe o que era a vida. Que também tinha bons momentos. Partilhar bons momentos com ela. Ser a causa dos bons momentos.
Mas a multidão levou-o. Levou a oportunidade de fazer uma pessoa feliz sendo feliz.
Caprichos de uma afortunada sociedade.
Um carro, cegado pelo sol, invadiu o passeio momentos após ele passar. Depois as pessoas param. Depois todos param. Mas não o deixaram parar. Invadiu o INEM. Ela invadiu o hospital acompanhada com anjos que a levariam para o leito da morte. O mesmo leito onde fluíam amarguras.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

sonhos

O que faremos quando atingirmos o maior dos nossos sonhos?

A terra deseja o céu. O sol deseja a lua. Metáforas impossíveis que descrevem a procura incessante caracterizadora da nossa vida. Lutar é visto como meio mas tomado como objectivo. Resignamo-nos, às vezes, com coisas que valeriam a pena – nunca sabemos, fica sempre o bicho da fruta que nos impele para aquilo que poderia e não para o que poderá – mas corremos, lutamos tentamos os acontecimentos com a probabilidade mais remota. Esta é que nos seduz, motiva. Partimos, frequentemente, em busca de preencher o que julgamos ser um espaço vazio. Nunca pensamos que esse espaço é para estar vazio, e se está cheio do conteúdo próprio, não está vazio, logo não temos de o preencher. Neste caso, estará, o espaço vazio, cheio. Partimos. Voltamos, com mais espaços vazios.Que faremos quando cumprirmos os nossos sonhos? Arranjaremos outros? E esses outros, possuirão, a sua essência no que outrora tivemos, mas do qual abdicamos em detrimento dos sonhos da altura?