terça-feira, 14 de outubro de 2008

como acne na cara

Ele, continuava, como sempre, confuso e objectivo. Vi as coisas claramente. Percebia-se. Sabia o que fazia, sabia o que queria. Porém atormentava-o o mesmo fantasma de sempre. Aquele que não o deixava permanecer no mesmo sitio por muito tempo mas também não lhe permitia mudar constantemente.
E la estava ele em Roma. Sentado na esplanada de um qualquer café de uma qualquer rua. Bonita por sinal. Ele gosta de coisas bonitas. Olhava para um lado e para outro, temeroso. Não gosta de sítios novos. Não conhece as pessoas, lê-as mas não as ouve. Eu gosto de saber o que as pessoas pensam de mim. E ele lá estava . Intimida-se com facilidade. Só as pessoas que não o conhecem o podem vir a conhecer. Só aqueles com quem quase não convive é que o intimidam. Só esses podem traçar-me m rosto sem que eu possa intervir. Só desses tenho medo. Só a esses as fragilidades, que me levam a odiar os sítios onde estou e a não gostar para onde vou, estão visíveis.
Tudo o que acontece, advêm de coisas que ele fizera.
Conto coisas pequenas às pessoas. Ele fazia-o, também. Dessa forma ninguém tem o puzzle, só algumas fatias, e dessas, só algumas poderão ser as correctas. Uma forma de se proteger. Uma capa inviolável para aqueles que o conhecem, só acessível para quem passa.
Como acne na cara.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

no melhor pano cai a nodoa

Todos os palhaços são tristes, mesmo quando se alegram. Todas as árvores caem, todas as freiras pecam e tudo acaba. Fatalidades

O creme continuava pousado no mesmo sitio, no mesmo ângulo mas qualquer coisa não estava bem. Sabes que trazer de volta os fantasmas não te faz nada bem. Porém não poderia evitar a sensação. Meticulosa como um génio obsessivo, sentia que qualquer coisa tinha mudado. Não havia pó. Havia mas não para onde olhava. O sitio era fulcral mas tinha menos pó que o esperado. Fora durante dois meses justificaria mais.
Não teme nada, nunca temeu. Gaba-se disso com o seu alter-ego. Não confia em mais ninguém. Não se confessa com mais ninguém. Não corre riscos. O seu casamento confirmaria a falta de confiança nas pessoas.
O seu melhor amigo e amante revela-se, agora, o inimigo mais temido. Conhece-a. E não a teme como os outros.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

quando o fim acaba

As folhas voam no chão fora de tempo. Fora de espaço. Pois as calçadas ainda não estão prontas para as receber. Mas tudo voltará ao normal. Afinal, foi só uma árvore que secou. Não a floresta.

Aquilo que dizemos, nunca, quase nunca, é aquilo que queremos dizer. Sentimos necessidade de nos projectar para aquilo que idealizamos. Sentimos que não há outro meio de nos libertar. Falamos. Mas não sentimos.
Ela sentiu isso. Sentiu quando tomou a decisão da vida dela. Sentiu quando saiu de casa. E, por fim, sentiu quando o denunciou à polícia.
Foi no olhar dele daquela vez que ela não fez o que ele disse. Foi a sua recusa à independência dela. Foi o estalo. Foi a desculpa, as várias desculpas. Foi a cabeça partida num vão das escadas lá de casa. Foi por isso e pelo medo. Porque ela queria uma vida dela. Porque queria a vida dela. Não queria fazer parte da vida dele. Queria que ele fizesse parte da sua vida. Mas ela não tinha vida. E isso dificultava as coisas.
Sentiu, também, quando chegou a casa. Vazia. Sentiu quando ele chegou. Não estava embriagado, como as histórias que ouve. Quem lhe dera que ele estivesse embriagado. Desculpava-o se assim fosse. Não seria ele, seria o álcool. Mas não. Com a mesma frieza do olhar, olhar esse que aprendeu a descobrir muito tempo após o primeiro encontro.
Sentiu, como não houvera, antes, ocasião que o justificasse, o pavor. Pavor porque ele, com as suas grandes mãos, mas perfeitas, a agarrou, amarou, regou, e acendeu. Tudo isto junto com a casa. E sentiu ela e sentiu a casa. E adormeceu ela e a casa. E caiu ela e a casa.
Quando os bombeiros chegaram, apagaram a casa e ela. Fizeram o rescaldo delas juntas. Porque era assim que tinha de ser feito. Porque ela tinha uma vida. A casa era a vida. O fulgor que ela punha nas actividades que com esforço desenvolvia na casa era a sua tentativa de sobreviver, manter-se viva. Respirar.
E deixaram as duas, no mesmo sítio, a mesma coisa. As cinzas.