domingo, 18 de abril de 2010

por razão nenhuma

No calor, quente, da paixão cega, sente-se desconfortável e afasta-se. Não tem de haver um propósito para tudo. No entanto, é-lhe perguntado se lhe falharam. As pessoas não se conhecem e, por isso, evitam conhecer os outros. Às vezes estamos tristes porque sim, outras porque não. Quase sempre nos envolvemos em razões, porém, na tristeza mais profunda, a busca da razão é abandonada. Livres de tal demanda, enchemos o peito de ar e somos tristes com a tristeza do nosso lado.


Por razão nenhuma.


Não me agrada usar frases de outras pessoas. Sério. Mas a verdade é que a frase, entre aspas, de um nick do msn chamou a minha atenção: “ que importa o que serei, quero é viver”.

Isto dito por alguém em medicina é um contra-senso. Ou nem tanto. Não é dito que quer ser feliz. Essa motivação é explícita em cada momento da vida. O que é a vida? Bem, isso são perguntas que não me ocupam a cabeça, e a busca por suas respostas à muito abandonada. O que é certo é que existem vários graus de vivência, muito embora não se possa definir a vida como algo com patamares. A verdade é que podemos comparar o quanto vive uma e outra pessoa. Podemos dizer que vivemos mais que o nosso vizinho, ou menos.

Gostava de um dia poder viver. Um dia. Apenas. Viver esse dia como se a vida se contivesse todo nele. E eu, junto com ela, absorvesse o dia todo. Apenas esse e não o próximo. Como se o fim fosse o fim do dia. E todos os dias uma nova vida a ser aproveitada, absorvida. Como se eu fosse e não voltasse. Mas voltava, de manhã, para uma nova vida, sem qualquer expectativa. Apenas eu, a vida a meu lado, e tudo o que vem com ela. Bem sei que existe uma multidão junta com a vida. Juntar-me-ia a essa multidão. Para isso bastaria conhecer apenas um dos seus elementos. Comungar com ele um interesse, um gosto, um passado. Mas o passado não existe. Porque ao fim do dia, acontece o fim, e depois do fim o inicio. Seria apenas isso que comungaria com toda a multidão da vida. Porque com a vida vem quem vive. Quem não vive fica, vendo a vida a passar.

A vida não pára. Nem chuva nem vento a faz parar. Ainda assim. Todos os dias passa à minha porta. E todos os dias me convida para entrar. Todos os dias desligo o despertador e volto a dormir.

Quem segue a vida gosta tanto de ser feliz como gosta de ser triste. Abraça as duas como irmãs. Companheiras de jornada. Seguem com a vida, e com a vida permanecem. E por isso é que se desvanecem em nós. Se seguíssemos com a vida, seríamos tristes e felizes ao mesmo tempo. Choraríamos a sorrir. E no fim do dia, esquecendo a vida, fim.

Não nos é possível viver sem expectativas. Porque são elas, juntamente com as memórias que nos definem. Sem isto, sem nós em nós mesmos, não aprenderíamos nada neste mundo (e não digo que haja outro, isso é para cada um, embora as minhas crenças sejam conhecidas). De que nos serve a vida, se, sem memórias para a recordar, ou a expectativa de a voltar a abraçar, vivêssemos cada dia num único?

É tão fácil partir, dizer que não podemos, não conseguimos. E por isso sermos infelizes. Difícil é ser infeliz a tentar. Continuar infeliz depois. Mas ao outro diz abraçar a infelicidade como parte da vida. A vida não é uma piza onde se escolhem ingredientes. Ou queremos a vida, ou não a queremos. No fim, mas mesmo lá no fim, acabamos todos felizes.

Fim.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

4:10

Fecho os olhos e arrepio-me. São três e meia da manhã. Acordado num quarto em lisboa, escrevo, hoje, sobre a minha vida. O que ela foi, o que tem sido, e o que eu espero que seja no futuro próximo. Não tem muito para falar, admito, mas como sou eu a escrever e não existe nenhum editor das mensagens que ponho no blog, não venho porque não.

Neste momento tenho em mim a canção de lisboa a suar-me nos ouvidos. Não é mau, mas dói-me a cabeça e não me apetece muito ter de aturar isto. Por isso pus o media player a tocar um qualquer cd que já não ouvia há uns tempos. Fala de desgostos de amor. Nem sobre isso a minha vida da que falar. E ainda bem!

Pena estarmos longe. Pena que não te possa tocar, que não te possa dizer, cara a cara, aquilo que quero dizer sempre que penso em ti e me vêm as lágrimas aos olhos por tu não estares. Queria tanto que estivesses. Queria tanto estar onde tu estas. Caminhar sob os teus passos, sentir o teu cheiro no ar. Saber que existe a cada momento comigo. Fazer durar a nossa musica para sempre. Queria não ter de escrever no blog porque teria algo melhor para fazer, porque estaria em boa companhia. Mas estou sozinho, num quarto que não é meu, um cheiro que não é o teu.

Estou cansado de me ouvir apenas a mim a reclamar, dentro de mim, por não ter estudado o suficiente para que estivéssemos, hoje, lado a lado. Lembro-me de, na altura, achar que até seria bom ficarmos longe um do outro, não tão longe, mas uma certa distancia providenciaria a liberdade suficiente para a vivencia académica. Não suporto a tua ausência. as minhas lagrimas são pedaços da minha alma que se cansam de estar sozinhos e vão ao teu encontro. Eu imploro para que me levem, mas nunca me ouvem.

Disse que falaria da minha vida, não costumo, mas a minha vida és tu e a faculdade, a medicina. Mais tu que a medicina. Não quero ser médico, na realidade nunca quis. Nunca quis que vidas de pessoas dependessem do meu desempenho profissional, constantemente. Não estou preparado para isso. Não consigo ser o profissional que as pessoas necessitarão. não conseguirei. Não é facil moldar uma personalidade, principalmente depois de formada. E a minha cá está. Firme e hirta, que nem barra de ferro. E não me deixa. Não me deixa estudar a anatomia, não me deixa fazer o que preciso de fazer para ser um bom profissional. Eu sou razoavel em algumas coisas, mas nunca fui bom a dar más noticias, nunca fui sensivel nessas coisas. Não sei lidar com a doença das pessoas, não sei responder empaticamente. Não consigo pensar que uma pessoa morrerá apenas porque eu fiz uma coisa mal. Não serei capaz de o aceitar.

Um dia sonhei ser investigador. A palavra é mais apelativa que a realidade dos factos. Trabalhar um cubiculo com ratos brancos de pernas para o ar o dia todo. A medir valores, observar variações, chegar ao fim do dia, assinar a folha do relatorio e vir embora. e no dia seguinte será igual. Por isso, também não vai ser por ai que me vou resolver. O problema é que não me aceitaram se não me resolver. Não posso chegar a casa e simplesmente dizer que quero desistir do curso e pronto. Feito, dinheiro para o ar, para ver se nasce. Para não falar que ocupei um lugar que outra pessoa quereria. Uma pessoa muito melhor que eu. Muito mais capaz e profissional.

Não sei o que fazer de mim sem ti, verdade. Então procuro-te, todos os dias, em colegas, amigas e amigos, com esperança da tua orientação. Verdade que a carne é fraca, verdade que os homens ficam tolos com rabos de saia, e também, mas não há futura médica que seja melhor que tu, não há pessoa que conheço que seja melhor que tu. Apenas a distancia, apenas a impossibilidade de te beijar quando preciso me faz pensar na tentação. Mas, enquanto chorar quando penso em ti, não haverá tentação suficiente para mim. Espero. Espero, também, que não te chateies se algum dia leres isto. É a verdade meu amor. Mas és tu o meu amor. E enquanto o meu coração, o a metafora que achares mais conveniente, bater, esmagar, cantar, badalar, tocar, trinar, beber, comer, dormir, escrever, ver, ouvir, olhar, sentir, tudo por ti... não haverá nada a fazer enquanto isso.

Porque eu estou contigo. E espero que estejas comigo, e com Deus.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

amor fatal

Look how they shine for you.


Esta história, esta magnífica história é uma triste história.


Tudo começou num dia que não sei especificar. Eles olharam-se, um cumprimentando o outro. Um deles ostentava um daqueles convites óbvios, sedução pura. Para quem olha de fora é desprezível, mas para eles foi o começo de uma linda história de amor impossível.


Comecemos, então, por apresentar as personagens. Ele era um rapaz igual aos outros, vestia calças e t-shirt com desenhos. Sapatilhas e meias até aos calcanhares. Andava na escola, tinha apenas uns pelitos na cara: motivo para se orgulhar ao espelho. Vivia com a mãe e o irmão. Ambos mais velhos. O irmão uns trinta anos e a mãe apenas dois meses. Sim, é estranho, mas foi assim que me contaram, assim contarei. Reflexões (?), deixarei para quem as souber fazer. Eram abonados mais ou menos, o certo é dizer que não eram abonados de todo. Como sempre acontece nestes casos, viviam de forma humilde e cabeça erguida perante os ventos e chuvas que lhe levavam a casa sempre. Faziam outra. Esta introdução serve apenas para enfatizar os sacrifícios mais à frente explicados.

O outro personagem, tomo, eu, a liberdade de o chamar assim, não é homem. Nem mulher. É, sim, um destruidor de lares, de vidas. Uma quimera que engana até a mente mais desperta. Ostentava a melhor publicidade de todas: o uso dos amigos, a moda. Complicado lutar contra o coração, mais ainda com a pressão dos amigos. Podemos dizer, então, que pouca escolha teve o primeiro personagem nos acontecimentos que se desenrolaram. Este personagem é um prestador de serviços, por isso paga-se para que o serviço seja prestado.


O amor, por assim dizer, começou no momento em que foram apresentados. E desde que o olhar do moço ingénuo pousou naquela coisa, nunca mais a sua cabeça pensou noutra coisa. Foi um desastre atrás do outro a partir daí. Foi um ciclo vicioso que ninguém viu começar, ninguém se importou, ninguém disse nada, e quando quiseram, tarde de mais.

O dinheiro que tinha, pouco, era para alimentar o amor. Era o seu único interesse, como são todos os amores, entre os apaixonados. Não posso dizer que o prestador de serviços não sentisse o mesmo amor. Não é verdade. Ele dava-se em cada encontro. Extinguia-se para alimentar o amor, sacrificava-se.


Porém, de outra forma não estaria a ser completamente sincero, não posso argumentar que um maço de tabaco tem, porventura, sentimentos. É demasiado filosófico, demasiado fantasioso.

O início do amor platónico já foi contado, o meio não tem grande interesse. Os cigarros morriam, um a um, e o sacrifício deles parecia aumentar cada vez mais o amor que ele sentia por eles. Eram a prova que todos os apaixonados precisam, todos os dias, de que são correspondidos. Era a água que regava a tal planta que é o amor. E por isso, através dos cigarros, o sujeito vivia, respirava, dormia.

O fim deste grande amor é digno da banda sonora mais melancólica que cada um encontrar (para mim a Ave Maria de Giulio Caccini).

Como todos os amores, este modificou as partes, uma mais que outra. Ao sujeito, alargou a laringe, aumentando o espaço da glote, ficando com uma voz mais radiofónica. A nicotina amarelou-lhe as mãos, o fumo escureceu os pulmões. Deu-se, assim, também ele, pouco a pouco, num ritual sem fim, de dar sem receber, ambos, um a um e peça por peça. Platónico disse eu há pouco, platónico sim. O sujeito, ele, ficou sem a possibilidade de voltar a construir a casa sempre que ela se ia. Sem casa, sem dinheiro para a comida, apenas para o amor. Nem o ideal de amor e uma cabana se poderia concretizar. Não concebo, não consigo conceber, amor mais platónico.



Até que chegou o dia que o amor trouxe as consequências. As previstas e as não previstas. Há sempre algo que podemos prever em cada decisão que tomamos, todavia, por mais espertos, mais inteligentes, quiçá videntes, a maior parte delas escapam-nos.

Um homem, por si só, não é de ferro. Então, houve o dia que teve, ele, de ir ao médico.

Como é óbvio, o teor da conversa não sei, sei apenas que a ordem foi para que o amor parasse. Foi para que arranjasse outro amor, um mais saudável para a mente e o corpo. O médico ordenou que deixasse os cigarros viver. Estranho uma decisão de cariz tão humanitário ter sido tão depressa recusada, vivamente por ele. Bem, não tão vivamente como outra pessoa conseguiria, mas o mais vivamente que ele conseguiu. Talvez os argumentos utilizados pelo médico não tivessem sido os melhores face à situação, não faço ideia.

O que ele me disse, antes de amar pela última vez, aqui, na esperança que noutro sítio fosse mais bem compreendido, foi que se não podia amar para que continuasse a viver, preferia morrer apaixonado, enamorado. Podem considerar irónico, mas ele disse que o amor dele era muito mais forte que qualquer outro, que fora de metáforas, os cigarros teriam sempre um espaço dentro de si. Literalmente, pelo cancro de pulmão esquerdo, bem perto do coração. Disse também, que, nem que quisesse, nunca o conseguiria fazer com qualquer namorada que tivesse, pelo que o amor que sentisse em qualquer altura nunca se iria materializar como o dele.

Penso que tem razão. Penso também que se o amor fosse um órgão, um membro, umas células alteradas, aliás, se as alterações que o amor nos traz, as suas emoções, as suas loucuras, se traduzissem num sinal, um daqueles que todos poderiam ver e dizer: olha aquele está apaixonado, não teria a mesma piada.


O amor é a demonstração que cada um de nós faz para o libertar ao mundo.

sábado, 3 de abril de 2010

Razão,

“Eu não sei se sou capaz de me ouvir”

Como hoje, e sobretudo amanhã, celebra-se a Páscoa, venho para aqui escrever acerca do Natal. É certo, não sou muito forte na introdução aos assuntos que pretendo expor. Fosse eu o Benfica, naquelas transições feitas de olhos fechados, naquela magica que transborda de seres sobrenaturais, naquelas jogadas desenhadas com um propósito maior, um propósito de arte. Bom, se assim fosse eu, escreveria livros e haveria gente suficientemente abonada para que, em temos de crise, pagasse para ler as ideias de uma pessoa que nem conhece. Não digo que seja mau ler, eu gosto de ler, mas não aquilo que eu escrevo.
Mas o que me traz aqui hoje é uma ligeira satisfação, uma pontinha de orgulho, um quê de renovada nacionalidade. É um facto, provado ou não, certo é que os portugueses deixam tudo para a última, quando não se esquecem. Por isso, a nossa produtividade é maior e, mesmo com a nossa localização geográfica extremamente favorável para trocas comerciais, continuamos na cauda da Europa (não apenas porque a cabeça está virada para a Rússia). Assim, eu e a minha família, mais ela em conjunto que eu sozinho, cooperamos caladamente numa conspiração para deixar a árvore de Natal montada. Duas razões primárias permitem que tal suceda. A primeira é que a árvore é de plástico, e plástico não seca. A segunda desvaneceu nos mais obscuros fossos da minha memória, juntamente com muita da matéria de anatomia.
Já havia reparado neste facto a algum tempo, mas esperava encontrar alguma razão superior, uma razão que me afastasse dos vícios da sociedade incutindo, nalguns leitores ocasionais deste espaço, uma visão de mim completamente errada, mas muito mais abonatória. O que é certo e sabido é que a árvore, teimosamente, devo dizer, continuava ali, por desmontar, sozinha, sem luzes (a parte ecológica e pedagógica do texto), recordando com saudade, não a atenção que lhe deram, mas o novo CD do Tony Carreira que tocou durante as limpezas de preparação para o último Natal. E eu sem razão para a árvore ficar ali tão sossegada, à luz do dia e da noite. Razão inteligente, porque a inércia e ociosidade neste capitulo não conta.
Sempre fomos um povo conformado. Mesmo nos descobrimentos, havia uns velhos do Restelo que não queriam que fossemos, mas conformaram-se com a nossa ida. Bem, para além do conformismo que de mim se apodera, lembro-me bem do dito popular de todos nós, Natal é quando um homem quiser, penso que também se aplique às mulheres, elas lá sabem. E assim, sem mais nem menos, surgiu-me o tal ideal quimérico que tão me apoquentava por me escapar. A busca pelos valores apenas lembrados na época natalícia, ou quando há sismos na Madeira. Aí estava a minha razão, mesmo à minha frente, e por isso é que hoje escrevo aqui. Escrevo porque, para além do sono, às vezes surgem boas coisas na vida de um homem quando nos recostamos num sofá, sabendo que temos anatomia para estudar, mas que não nos apetece. E nisto é que o português é bom: Nas pequenas coisas, já que as grandes há muito que nos fogem.