terça-feira, 2 de março de 2010

bonança rima com esperança

Depois da tempestade vem a bonança, até entre aqueles que se juraram inimigos eternos.


Pela primeira vez em algum tempo fiquei sem luz. Sem electricidade. Sem televisão, sem rádio, sem luz, mas luz já tinha dito. Vi-me, então, confrontado com algo que estranhamente adormecera no mais profundo vazio da minha alma. O que posso eu fazer quando não há nada para fazer? É superficial, eu sei. Mas, ainda assim, consumiu-me o espírito durante o apagão, mantendo-me ocupado.

Os meus pensamentos estavam ocupados com a pergunta superficial a que decidi ocupar o meu tempo, mas os meus gestos e emoções continuavam apontados para nenhures, um lugar que nem conseguia vislumbrar. A minha mãe aproximou-se e falei com ela. Lembrei-me de como pensava nela, e como ficaria triste por me ver longe durante a semana, tinha a presunção de ser um dos pilares da família, uma das suas peças chaves. Estava profundamente enganado. A família é que constitui o meu grande pilar. Posso ter o maior sucesso, um inimaginável (assim não tenho de dar um exemplo), se não tiver ninguém que fique orgulhoso por mim, ninguém que me congratule, não me servirá de nada. E nesse momento, durante o apagão que a minha aldeia sofreu, fez-se luz na minha alma. Percebi exactamente quais tinham sido as minhas direcções até agora, quais as motivações. Percebi que nada do que fiz ou farei pode ser separado dos meus pais e do meu irmão, dos meus tios e primos, porque eles são a minha vida, fizeram a minha vida, construíram-na, bloco por bloco, escolhendo a receita do cimento, com mais ou menos areia, eles tomaram essas decisões quando eu não as podia tomar. Assim, sem mais nem menos, vi-me liberto na prisão que se tinha transformado a minha casa às escuras.

Libertei-me do peso da responsabilidade, cheio da irresponsabilidade característica da fase que atravesso, não tomando a consciência que um muro pode até ter os alicerces feitos de betão, mas se o sujeitamos a uma guerra fria ele não resiste à pressão da sociedade. Então, passou tudo a depender de mim, como uma corrida de estafetas, que a minha equipa fez no primeiro lugar e agora esperava que eu cortasse a meta para nos podermos sagrar campeões.

Custa-me escrever sobre mim, sabendo que, pelo menos algumas pessoas que me conhecem irão ler o texto. Custa-me escrever quando necessito de o fazer, e hoje necessitei, depois de muitos anos. Anos e anos a escrever por puro gozo de o fazer. Escrever para ver a reacção dos outros perante assuntos improváveis, finais impossíveis ou conclusões estúpidas. Hoje, depois de muitos anos, voltei a escrever de mim.


Encontrei-me no fundo de um poço que era meu, estava no meu jardim,

Não estava lá ninguém comigo,

Senti-me sozinho.

Então neguei o lápis e a caneta,

E escrevi directamente no computador.

Pus nas palavras o meu sofrimento,

E construi com elas a minha escada.

Olhei para trás,

fiz a promessa de não mais voltar,

só para deixar a minha alma satisfeita,

e disse até já ao musgo que constituía o fundo daquele poço.

Até que aconteça outra vez.

O sol brilha mais a quem vive de noite,

Trata-se apenas de outra conclusão estúpida.

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