sábado, 8 de maio de 2010

não era a mesma coisa

Chove lá fora. Sorte a minha por estar acomodado entre quatro paredes, um tecto, uma cama, uns lençóis. Nada disto é meu, nada me pertence realmente. Escrevo, hoje, num computador emprestado. Até as palavras são emprestadas por alguém que nos ensinou a dize-las, primeiro, depois a escrever á mão aquilo que sentíamos com o peito. Sabia que um dia quereria estar assim, deitado, com expectativa nenhuma que me chamem. Que façam-me notar que o mundo sabe que aqui estou. Que sabe que existo para ele.
Neste momento não existo para ninguém. Existo para mim. É duro. Muito duro. É difícil existirmos apenas connosco. Vivermos apenas com a mesma pessoa que se vê ao espelho ao acordar. A mesma pessoa que se levanta todos os dias de mau humor. É duro estarmos sozinhos, porque sozinhos temos mais tempo para nos reconhecermos, para vermos as falhas, as manchas e todos outros defeitos que tem a nossa mente e corpo. As pessoas são infelizes porque não conseguem habitar sozinhas consigo. Então procuram alguém que consiga e tentam aprender a conseguir. É o meu caso. Não me dou bem comigo. Somos os dois uns resmungões que acordam mal dispostos todos os dias. E todos os dias é a mesma coisa. Qual é o interesse do mundo que não seja conhecer outras pessoas, realidades, situações, problemas. Conhecer o mundo para aprender, apreender com ele.
Contudo, neste momento, o meu mundo é o quarto que aluguei em Lisboa. Um quarto razoável que me deixa isolado de todo o mundo que me trata por tu. Todo aquele espaço que me conhece de uma ponta à outra. Cada canto ou esquina, cada espaço na prateleira. Esse mundo fica muito longe de onde estou agora. Não me sinto propriamente mal por isso. São as experiências que crescemos a pedir. A rezar para que aconteçam. Independência, liberdade.
Porque é que escrevo tudo isto. Quando me ensinaram a escrever não disseram que poderia por toda a minha alma em zeros e uns que seriam guardados para sempre um espaço que não podemos tocar com os dedos. No entanto, a minha alma, os meus pensamentos mais profundos estão lá depositados. Qual banco na Suíça. Não sei bem porque escrevo tudo isto. Não sei porque a ordem pela qual escrevo é a que acima se apresenta, não sei porque usei agora uma vírgula em vez do ponto final que me vinha na cabeça. Acontece, e se acontece assim, porque deveria acontecer de outra maneira?
Bem, na opinião do sócio, um gajo que escreve para a revista da faculdade uns textos bem bacanos, esse é o problema da sociedade pós-moderna. Somos modernos, somos grandes, os maiores. E agora? E depois? Porque não ficar na cama enquanto chove lá fora? É o que estou a fazer. Se podia estar a fazer uma coisa muito mais útil? Podia, mas não era a mesma coisa.

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