quarta-feira, 22 de julho de 2009

serviço público

E lá estava outra, agora. Pergunto-me com que sentimento as pessoas se aproximam do folheto da funerária que avisa da morte de um, ou não, conhecido. Pergunto-me, também, se é assim que nós próprios temos conhecimento da nossa morte. Ganhamos o hábito de ver todos por quantos passamos à medida que envelhecemos. Depois de mortos vemos a nossa fotografia naquele quadrado próprio, fotografia tipo passe, e pensamos: “ estava mesmo acabado, eu”, suspiramos e seguimos caminho. Mas desta vez já não evitamos chocar com as pessoas. Por isso é que se costuma dizer que foi para um sítio melhor.

Mas as pessoas, à medida que vão envelhecendo, e acontece especialmente nas mulheres, porque também são elas quem mais tempo têm para envelhecer (há tantas viúvas e tão poucos viúvos que nem imagino o forró que deve ser com os velhotes), começam a sentir curiosidade por quem está na fotografia. Se não conhecem, passam como se tivessem visto um anúncio de oferta de emprego, despreza-se e esquece-se rapidamente. Mas, se porventura, com o maior dos azares, calha já termos avistado a pessoa algures podem surgir dois tipos de comentários: “já não era novo, coitado”, ou então, “ai tão novo, que terá acontecido?” e telefonam à mãe, à irmã, à tia, à colega do trabalho, e talvez, algumas, à cabeleireira a perguntar se sabem de alguma coisa. Se conhecem um dos nomes dos familiares mas nunca viram a cara do homem, nem imaginavam que a dona Maria augusta já tinha um genro que tinha duas bonitas filhas, uma de três, outra de quatro décadas. “Ai estive fora tanto tempo, e já agora, como é que vão as coisas lá por casa” e assim inicia-se uma conversa que dá para dois dias inteiros. Um para se informar, o outro para informar os mais próximos. Pois as mulheres são as primeiras jornalistas. Também há homens assim, por isso é que há viúvos. Homens assim duram tanto como as mulheres. Nesta situação acresce-se o sentimento de dever na comparência de sua Ex.ª no funeral. Vão, recebendo ai o total update dos acontecimentos mais recentes, com toda a contextualização agregada, incluindo classificações filogenéticas dos habitantes envolvidos em qualquer escândalo. A classificação é efectuada da seguinte forma: “estás a ver aquela moça que casou com o filho do carpinteiro?” “a Lucinda?” “não essa casou com o mais novo, a outra, aquela que antes até tinha namorado para aquele que diziam que se fumava, ai passa-se-me agora o nome” "já tou a ver”.

Há, devem estar a perguntar-se quando são pessoas próximas de nós. Bom, aí não se vê os folhetos. As pessoas avisam numa corrente telefónica que era capaz de salvar o BPP se este fosse uma operadora móvel.

Se somos nós, seguimos caminho, cabisbaixos, sabendo que nunca mais teremos de olhar para as paredes cheias de papeis brancos à procura da nossa cara.

3 comentários:

Carla disse...

=) hmm..mais um tema banal..transformado numa reflexão profunda(?)..=D..mt bm!

Beijinhos *

PS:desculpa não comentar com muita frequencia e qualidade ;-)
título interessante =)

Verinhaa disse...

Mas porqe vem neste bonito texto falar mal da capacidade que as mulheres têm de espalhar noticas?
Esta' bom mas por falar mal do sexo feminino recuso,me a continuar este comentario...

Andre Vidal disse...

Bem, infelizmente é verdade.
Eu próprio, se moresse não gostaria de ver a minha fotografia tipo passe no jornal da terra, onde, espero, estaria velho e acabado, como se fosse um anúncio de emprego precário, desprezado por aqueles que o observam.
Se morrer espero ver a minha fotografia, não num jornaleco, mas sim num jornal importante. é sinal de que tive sucesso!
Bem observado...e mulheres, controlem-se! Pra quê querer saber os mortos?!